O ínsulo

domingo, dezembro 10, 2006

TLEBS - 1

TLEBS, INOVAÇÃO E CATÁFORA


Vai aí pela galinheira em que todos somos galos ou galinhas, uns mais galos outros mais galinhas, ou seja, por esse país tristonho e sorumbático que vai sendo o nosso, vai por aí um zuruzunzum polémico acirrado, por causa de uma coisa a que, barbaramente, deram o nome de TLEBS e que nem os que a inventaram saberão, decerto, plenamente explicá-la. Explicá-la nos seus termos e explicá-la na sua razão de ser. Ela foi lançada por uns Iluminados inovadores (parece que bem pouco iluministas) que há muito na cabeça têm ferrada a ideia de que um Instituto de Inovação foi feito, é claro, para inovar. Substituir coisas antigas por coisas novas Inovar a todo o custo, Inovar por inovar, nem que seja em pura gratuitidade. Inovar e, com o poder de galos significativos que lhes foi dado pelas galinhas da capoeira que nem sabem porquê, impor-lhes a inovação. Com o argumento, assim parece à primeira vista, de que a inovação já vale só por si, mesmo que inove – repete-se – gratuitamente: apenas novas coisas, novos conceitos, novas palavras que, além da novidade inovada, não tem pés nem cabeça por onde se lhes possa pegar, para serem devidamente arrumadas nas cabecinhas das Crianças, dos Moços e das Moças, do Básico e do Secundário.
Trata-se da tal TLEBS, pois então (Terminolgia Linguística para o Ensino Básico e Secundário).
As gramáticas de recentes edições, que tanto têm feito por se actualizarem, acrescentando, introduzindo novas achegas, linguísticas e gramaticais, que a investigação moderna em boa hora nos trouxe, desde o estruturalismo de Saussure, passando pelo generativismo de Noam Chomski, sem esquecer toda uma plêiade de grandes linguistas europeus e americanos. E algumas – diga-se em abono da verdade - fizeram-no com boa clareza e sentido didáctico ! E agora?
“Em causa está uma revisão completa dos termos gramaticais utilizados em Portugal. A TLEBS vem substituir uma nomenclatura que vigora desde 1967[...]” (DN de 28/Set./06, p. 22).
Se calhar não se lembram, esses Iluminados, da hecatombe que, pelos anos 70/80, se abateu sobre as nossas escolas, no que respeita ao ensino do Português. Pura e simplesmente fizeram varrer dos manuais tudo o que cheirasse a gramática (tradicional, claro), para os encherem daquelas célebres arborescências inspiradas no generativismo. Eu, que tive de ler obras do grande Chomsky para preparar o exame de linguística, fiquei fascinado pelas teorias que consegui assimilar – teorias linguísticas e teorias ideológicas que, estas, ainda se podem verificar nos livros desse autor que continuam a aparecer nos escaparates das livrarias. Contudo, não deixei de protestar contra essa hecatombe. E não fui só eu a protestar. O óbvio disparate de trazer as inovações das instância da investigação linguística para o ensino básico e secundário, como foi feito, acabou por ser vencido pelo bom-senso que levou editoras e autores das boas gramáticas, que tinham sido levados pela onda, a retomarem a gramática tradicional, entretanto acrescentada das achegas linguísticas consideradas oportunas.
Estamos, agora, com a tal TLEBS, numa circunstância parecida, e eu receio que, como nos anos 70/80, vamos assistir, com esta mudança, “tão ampla e complexa” da terminologia gramatical, a uma nova hecatombe, a um novo caos no ensino do Português que precisava de estabilidade, mesmo na terminologia. Não fujo à tentação de citar, do mesmo texto do DN de 28/Set, dois parágrafos em que é citado um tal pedagogo com mais de 30 anos de experiência (Álvaro Gomes, acho que professor universitário do Minho): “Sou favorável ao uso da terminologia no ensino universitário e na formação de professores. Não no ensino básico. Será muito grave. Temo que resulte daqui uma geração de alunos autistas ou quase.”
“Nenhum pediatra diz a uma criança com dores de barriga: você tem crise gástrica moxirreica. Isto é uma questão de senso comum. No entanto, crianças de seis anos podem ser confrontadas com questões como: “Explicite o valor anafórico do conector. Que benefícios é que isso vai trazer?”
Se o benévolo leitor quer chegar à ‘catáfora’ do título, tenha a bondade de ler a próxima.